Um caso comovente e histórico foi registrado em Sinop, a 503 km de Cuiabá. João Brasil, indígena com Síndrome de Down que vive em um abrigo na cidade, conquistou na última semana o direito ao seu primeiro registro civil — já na fase adulta. A decisão foi proferida na sexta-feira (4) e divulgada pela Defensoria Pública de Mato Grosso nesta terça-feira (8).
João havia sido abandonado em uma casa de acolhimento sem qualquer tipo de documentação — sem certidão de nascimento, sem registro de filiação, origem étnica ou qualquer informação que comprovasse sua existência legal. Sem documentos, ele vivia em situação de hipervulnerabilidade, impossibilitado de acessar direitos básicos como saúde, educação, benefícios assistenciais, inscrição no Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou no Sistema Único de Saúde (SUS).
A primeira tentativa de regularizar a situação foi negada pela 3ª Vara Cível de Sinop, que alegou ausência de elementos suficientes para concessão imediata do registro. A Defensoria recorreu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que reconheceu o caso como uma grave violação de direitos. A desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas atendeu ao pedido e destacou que a situação de João é marcada por exclusão social e violação ao direito fundamental à existência formal da pessoa humana.
Com a decisão, João Brasil poderá, finalmente, emitir RG, CPF, Cartão do SUS e solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Futuramente, qualquer dado complementar que surgir poderá ser incluído por averbação judicial, sem necessidade de nova ação.
João vive atualmente em regime de acolhimento emergencial, faz uso de medicação controlada e não dispõe da estrutura ideal para suprir suas necessidades específicas, o que reforça ainda mais a importância da decisão judicial.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 havia 10.461 crianças indígenas com até 5 anos sem registro civil no Brasil. Esse número é especialmente preocupante ao se considerar que, entre os demais grupos raciais, o índice de registro ultrapassa 99%.
Em 2022, 87,5% das crianças indígenas de até 5 anos tinham registro de nascimento em cartório, um avanço frente aos 65,6% registrados em 2010. Ainda assim, o percentual permanece inferior ao de crianças pardas (99,3%), brancas (99,5%), pretas (99,3%) e amarelas (99,1%).
Ao todo, o país possui cerca de 87.946 crianças com até 5 anos sem registro de nascimento em cartório, incluindo aquelas com apenas registro indígena (RANI) — que não é aceito legalmente como equivalente ao registro civil.
A história de João Brasil escancara essa realidade e representa um avanço importante na luta pelo reconhecimento legal de pessoas invisibilizadas socialmente. Agora, João deixa de ser apenas um nome informal e passa a ter identidade reconhecida perante a lei.